"É um filme escrito por mulheres e para mulheres maduras"

Cinco atrizes em entrevista a pretexto da estreia de <em>Jogo de Damas</em>.
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Este Jogo de Damas é também um jogo de cumplicidade anterior à representação?

Maria João Luís (M.J.L.): Eu não consigo dissociar a minha vida da arte de representar. Está tudo ligado. No fundo, a nossa química é fruto de um passado real, entre nós e a realizadora, nomeadamente num projeto televisivo recente [Sol de Inverno]. Depois, houve aqui um elevado nível de liberdade, um processo muito prazeroso de criação.

Fátima Belo (F.B.): Estabeleceu-se logo um território comum, no qual desejávamos trabalhar. E esta química, embora venha de projetos anteriores, tem também qualquer coisa de "como se, de repente, tudo fizesse sentido". Queríamos ser aquelas mulheres.

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Rita Blanco (R.B.): Sim, era impossível isso não acontecer. É genuinamente através do trabalho que os laços ficam mais fortes. E esse caminho, para mim, até é mais importante do que o resultado. É muito interessante isto de sermos todas mulheres: realizadora, argumentista e elenco.

Ana Padrão (A.P.) : Gostei particularmente de cada uma trazer a sua personagem para o retiro que fizemos antes do filme, com a realizadora. Foi um valioso exercício de improvisação.

Ana Nave (A.N.): Aliás, os jantares que tivemos antes daquele jantar que é a circunstância do filme ajudaram-nos a criar memórias e essa cumplicidade, mesmo que o guião final tenha alterado algo do que foi improvisado. Sobretudo, a memória afetiva do lugar, o facto de já termos estado ali [em retiro].

De alguma forma, a morte da amiga comum a estas cinco mulheres, que as juntou numa casa "fantasma", que ela própria não chegou a estrear, pode simbolizar um novo princípio?

F.B.: Acho que sim. A morte dessa amiga levou-nos a um lugar que, mais do que territorial, é um lugar emocional de partilha dessa perda, e ao mesmo tempo de partilha do que estava a acontecer naquele momento nas nossas vidas. Nessa noite de revelações fortes, em que se joga tudo entre elas, encerra-se um ciclo e dá-se um novo princípio. E se calhar nunca mais se vão ver!

M.J.L.: Embora eu não acredite na vida para além da morte, ela traz uma espécie de renovação. Mas, curiosamente, na noite do filme, eu acho que nada muda. Aliás, a minha personagem é mesmo assim, vive muito o momento, e eu sou como ela.

R.B.: Bem, os que morrem acabou, os que ficam iniciam outro caminho.

A.N.: Eu penso neste filme como o recomeço de uma vida que vai ser melhor, porque há algo dentro delas que também morre um bocadinho, quando se revelam segredos gigantes. Há uma espécie de efeito de redenção nisso.

A.P.: Cada espectador sairá com o seu sentimento de fim ou de princípio. Claro que se pegarmos pela ideia do amor na amizade, que existe aqui, somos levados a acreditar e a querer que ele dure para sempre.

No panorama mediático, tem-se acompanhado o discurso de algumas atrizes de Hollywood, descontentes com situações de discriminação. Como vai a representação em Portugal, para as mulheres?

A.P.: A discriminação feminina é um fator constante na história do cinema, numa sociedade em que a beleza é importantíssima, e envelhecer é difícil... Aliás, isso está tudo na personagem da Ana Nave, que é atriz e perde um trabalho por causa da idade. E outra coisa meritória neste filme é ter sido escrito por mulheres, e para mulheres maduras.

R.B.: A verdade é essa, há muito menos papéis femininos para pessoas mais velhas do que para os homens.

A.N.: Além disso, a nossa esperança média de vida aumentou, somos jovens até mais tarde, continuamos no ativo, e com ideias. Oportunidades assim é que não abundam...

F.B.: Eu já senti na pele uma série de coisas, mas também já tive boas surpresas. Não quero fazer nenhum discurso feminista, é uma questão humana. As mulheres são efetivamente penalizadas pelo sistema patriarcal, e ter um papel depois de uma idade um pouco mais avançada está quase sempre conotado com o ser mãe ou avó, mais nada. Ou seja, a ideia do objeto-desejo acabou.

M.J.L.: Eu nunca senti isso, ou, pelo menos, "ainda" não senti. Sinto sim que há pouco cinema e que é sempre feito pelas mesmas pessoas.

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